Pensões e agenciadores atraem pacientes para médicos e clínicas
Reportagem mostra gente que se dedica a ganhar dinheiro tirando proveito de pessoas doentes.
Uma situação revoltante. Em uma capital brasileira, que é referência em atendimento médico na região, os pacientes que chegam de outros lugares caem nas mãos de espertalhões. São os chamados agenciadores de saúde , gente que se dedica a ganhar dinheiro tirando proveito de pessoas doentes. A reportagem é de Eduardo Faustini.
“Pensão São Lucas, aqui sua saúde está em primeiro lugar”, anuncia uma placa.
Espera: o que uma pensão tem a ver com saúde?
“Pensão Palmas Brasil, acompanhamento a clínicas, hospitais e laboratórios”, diz outro anúncio.
E olha essa: “Pensão São Pedro, consultas e exames econômicos”.
Consultas e exames médicos dentro de uma pensão? Que maluquice é essa?
Estamos em Teresina, uma cidade que é referência em saúde para boa parte do Norte e Nordeste. Doentes que não encontram tratamento em outras cidades vêm para cá, e acabam caindo na mão de espertalhões.
O golpe começa logo na chegada, na rodoviária. Agenciadores abordam os pacientes e oferecem transporte de graça para alguma pensão da cidade.
- Você pega eles aqui e já leva pra pensão – pergunta o reporter.
- É – confirma um agenciador.
- Você leva pra pensão e amanhã já tem médico marcado, tudo?
- Já.
Para você entender o esquema, o repórter Eduardo Faustini se fez passar por paciente. E descobriu que muitos taxistas também encaminham os doentes para as pousadas.
- E a moça da pousada? O que ela consegue? – pergunta o repórter
- Consegue muitas coisas. Ela já conseguiu ponte de safena, operação na cabeça. Ela é muito amiga dos médicos – diz o taxista.
- Eu não tenho médico. Ela me arruma um médico? - pede o jornalista.
- Arranja um médico. Se abra pra ela. Não tenha vergonha, não. E pra mim também. Não vai ter vergonha não, que doença não tem isso, não. E ela não tem escrúpulo de ninguém, eu não tenho – afirma o motorista
O taxista deixa o repórter na pensão da Dona Didi. E olha o absurdo: é ela quem faz o dignóstico:
- Qual é o seu problema? – pergunta a mulher
- Estou com um cansaço, coração. Também tenho úlcera – responde o repórter se passando por paciente.
- Você quer ir no médico de coração.
Dona Didi também indica os médicos. “Tem um bocado de médico bom aqui. Seu problema é só coração, ou quer ir ao medico gástrico. Você vai ao gástrico, porque lá ele pede todos os seus exames”.
A dona da pensão dá até o preço:
- Você acha que eu vou gastar quanto com os exames todos? Só para eu me preparar.
- Olha, uns R$ 600 a R$ 800.
“Essas pensões servem de agenciadores de pacientes para as clínicas médicas e cirúrgicas. Eles recebem em função desse trabalho de agenciamento um percentual para cada consulta. E essa consulta, na maioria das vezes, é uma consulta antiética. É uma consulta que busca ainda mais levar o paciente a fazer exames desnecessários. Exames de alta tecnologia”, conta o presidente do Conselho Regional de Medicina do Piauí, Fernando Correia Lima.
Não são apenas os donos de pensão. Perto dos hospitais públicos de Teresina também existem os agenciadores autônomos. Uma mulher confirma que recebe propina das clínicas que ela indica.
- As clínicas é que pagam a gente - fala a mulher.
- Qual exame que dá mais? – questiona o repórter
- Exame que dá mais, que a gente ganha mais é a tomografia. A gente ganha R$ 50.
O repórter seguiu uma indicação da agenciadora e foi parar em um médico, que trabalha em um laboratório. Ele não faz ficha, pergunta apenas o nome do paciente e tenta tirar a pressão. Tenta por 14 minutos e chega a um resultado incrível.
- Aparentemente deu 7 x 2 – fala o médico.
- 7 x 2?
- É, está aqui como se estivesse baixa.
Baixa? Uma pressão de 7 x 2 significa que o paciente estaria em choque, provavelmente desacordado. O médico tenta de novo, no outro braço. E o resultado se repete: 7 x 2.
O médico desiste da pressão e pede uma bateria de exames, a um custo de R$ 434. Todo esse descalabro em Teresina ocorre porque o principal hospital credenciado pelo SUS não dá conta de tantos pacientes que chegam de fora.
“Fila grande e demora pra atender. Só um guichê para atender os idosos” – diz um senhor.
O hospital botou uma grade para barrar os agenciadores clandestinos, mas não adiantou.
- Tem quantas pessoas hoje aqui disputando um cliente? – pergunta o repórter
- Tem mais de mil pessoas aqui – diz uma agenciadora.
Os pacientes que não conseguem fazer os exames de graça pelo SUS acabam nas garras dessa gente.
“É R$ 220, eu faço pra senhora por R$ 200 nessa clínica bem aqui. O que você quer, moço?”, uma mulher é flagrada em ação.
Mas quem fatura mesmo são as pensões. Elas recebem muita gente que vem de longe, precisando de atendimento médico.
Na porta de uma pensão um homem veio do Oiapoque para fazer uma operação de hérnia. Ele conta a viagem: “Do Oiapoque a Macapá foram 12 horas. De Macapá a Belém foram 36 horas. E de Belém até aqui, 15 horas. Muito cansativo, principalmente para a gente que não está bem de saúde”.
Um outro senhor conta que a indicação da pousada foi feita por um taxista: “ Eu vinha do ônibus e peguei um táxi e ele veio me deixar aqui. Disse que era de uma amiga dele. Eles são gente fina”. Circulando pela cidade, o repórter Eduardo Faustini encontrou um estudante de radiologia, que trabalha na pensão da mãe. Ele abre o jogo sobre as comissões pagas pelas clínicas.
- Vocês trabalham com quantas clínicas? – pergunta o repórter.
- A gente trabalha com todas as clínicas – diz o rapaz.
- Uma ressonância está quanto?
- R$ 600.
- custa R$ 600. Se vocë levar para lá eles pagam quanto?
- A gente ganha R$ 80, R$ 100.
O rapaz diz que quer largar essa vida. “Por isso é que eu estou estudando, para ver se eu saio dessa vida, tiro minha mãe dessa vida”.
“O relacionamento das pensões com as clínicas médicas, além de ser um problema grave, de natureza ética, é também um problema de polícia”, fala o presidente do Conselho Regional de Medicina.
“A gente está procurando justamente o que o estado pode fazer, junto com o Ministério Público, a partir do momento que detectado essas anomalias, a gente tomar as devidas providências. Ou seja, junto com o Ministério Público a gente consiga contornar ou minimizar esses problemas”, fala o secretário estadual de Saúde do Piauí, Telmo Gomes Mesquita.
As pensões cobram R$ 15 a diária com todas as refeições, porque o dinheiro vem das comissões pagas pelos médicos e pelas clínicas.
Reportagem mostra gente que se dedica a ganhar dinheiro tirando proveito de pessoas doentes.
Uma situação revoltante. Em uma capital brasileira, que é referência em atendimento médico na região, os pacientes que chegam de outros lugares caem nas mãos de espertalhões. São os chamados agenciadores de saúde , gente que se dedica a ganhar dinheiro tirando proveito de pessoas doentes. A reportagem é de Eduardo Faustini.
“Pensão São Lucas, aqui sua saúde está em primeiro lugar”, anuncia uma placa.
Espera: o que uma pensão tem a ver com saúde?
“Pensão Palmas Brasil, acompanhamento a clínicas, hospitais e laboratórios”, diz outro anúncio.
E olha essa: “Pensão São Pedro, consultas e exames econômicos”.
Consultas e exames médicos dentro de uma pensão? Que maluquice é essa?
Estamos em Teresina, uma cidade que é referência em saúde para boa parte do Norte e Nordeste. Doentes que não encontram tratamento em outras cidades vêm para cá, e acabam caindo na mão de espertalhões.
O golpe começa logo na chegada, na rodoviária. Agenciadores abordam os pacientes e oferecem transporte de graça para alguma pensão da cidade.
- Você pega eles aqui e já leva pra pensão – pergunta o reporter.
- É – confirma um agenciador.
- Você leva pra pensão e amanhã já tem médico marcado, tudo?
- Já.
Para você entender o esquema, o repórter Eduardo Faustini se fez passar por paciente. E descobriu que muitos taxistas também encaminham os doentes para as pousadas.
- E a moça da pousada? O que ela consegue? – pergunta o repórter
- Consegue muitas coisas. Ela já conseguiu ponte de safena, operação na cabeça. Ela é muito amiga dos médicos – diz o taxista.
- Eu não tenho médico. Ela me arruma um médico? - pede o jornalista.
- Arranja um médico. Se abra pra ela. Não tenha vergonha, não. E pra mim também. Não vai ter vergonha não, que doença não tem isso, não. E ela não tem escrúpulo de ninguém, eu não tenho – afirma o motorista
O taxista deixa o repórter na pensão da Dona Didi. E olha o absurdo: é ela quem faz o dignóstico:
- Qual é o seu problema? – pergunta a mulher
- Estou com um cansaço, coração. Também tenho úlcera – responde o repórter se passando por paciente.
- Você quer ir no médico de coração.
Dona Didi também indica os médicos. “Tem um bocado de médico bom aqui. Seu problema é só coração, ou quer ir ao medico gástrico. Você vai ao gástrico, porque lá ele pede todos os seus exames”.
A dona da pensão dá até o preço:
- Você acha que eu vou gastar quanto com os exames todos? Só para eu me preparar.
- Olha, uns R$ 600 a R$ 800.
“Essas pensões servem de agenciadores de pacientes para as clínicas médicas e cirúrgicas. Eles recebem em função desse trabalho de agenciamento um percentual para cada consulta. E essa consulta, na maioria das vezes, é uma consulta antiética. É uma consulta que busca ainda mais levar o paciente a fazer exames desnecessários. Exames de alta tecnologia”, conta o presidente do Conselho Regional de Medicina do Piauí, Fernando Correia Lima.
Não são apenas os donos de pensão. Perto dos hospitais públicos de Teresina também existem os agenciadores autônomos. Uma mulher confirma que recebe propina das clínicas que ela indica.
- As clínicas é que pagam a gente - fala a mulher.
- Qual exame que dá mais? – questiona o repórter
- Exame que dá mais, que a gente ganha mais é a tomografia. A gente ganha R$ 50.
O repórter seguiu uma indicação da agenciadora e foi parar em um médico, que trabalha em um laboratório. Ele não faz ficha, pergunta apenas o nome do paciente e tenta tirar a pressão. Tenta por 14 minutos e chega a um resultado incrível.
- Aparentemente deu 7 x 2 – fala o médico.
- 7 x 2?
- É, está aqui como se estivesse baixa.
Baixa? Uma pressão de 7 x 2 significa que o paciente estaria em choque, provavelmente desacordado. O médico tenta de novo, no outro braço. E o resultado se repete: 7 x 2.
O médico desiste da pressão e pede uma bateria de exames, a um custo de R$ 434. Todo esse descalabro em Teresina ocorre porque o principal hospital credenciado pelo SUS não dá conta de tantos pacientes que chegam de fora.
“Fila grande e demora pra atender. Só um guichê para atender os idosos” – diz um senhor.
O hospital botou uma grade para barrar os agenciadores clandestinos, mas não adiantou.
- Tem quantas pessoas hoje aqui disputando um cliente? – pergunta o repórter
- Tem mais de mil pessoas aqui – diz uma agenciadora.
Os pacientes que não conseguem fazer os exames de graça pelo SUS acabam nas garras dessa gente.
“É R$ 220, eu faço pra senhora por R$ 200 nessa clínica bem aqui. O que você quer, moço?”, uma mulher é flagrada em ação.
Mas quem fatura mesmo são as pensões. Elas recebem muita gente que vem de longe, precisando de atendimento médico.
Na porta de uma pensão um homem veio do Oiapoque para fazer uma operação de hérnia. Ele conta a viagem: “Do Oiapoque a Macapá foram 12 horas. De Macapá a Belém foram 36 horas. E de Belém até aqui, 15 horas. Muito cansativo, principalmente para a gente que não está bem de saúde”.
Um outro senhor conta que a indicação da pousada foi feita por um taxista: “ Eu vinha do ônibus e peguei um táxi e ele veio me deixar aqui. Disse que era de uma amiga dele. Eles são gente fina”. Circulando pela cidade, o repórter Eduardo Faustini encontrou um estudante de radiologia, que trabalha na pensão da mãe. Ele abre o jogo sobre as comissões pagas pelas clínicas.
- Vocês trabalham com quantas clínicas? – pergunta o repórter.
- A gente trabalha com todas as clínicas – diz o rapaz.
- Uma ressonância está quanto?
- R$ 600.
- custa R$ 600. Se vocë levar para lá eles pagam quanto?
- A gente ganha R$ 80, R$ 100.
O rapaz diz que quer largar essa vida. “Por isso é que eu estou estudando, para ver se eu saio dessa vida, tiro minha mãe dessa vida”.
“O relacionamento das pensões com as clínicas médicas, além de ser um problema grave, de natureza ética, é também um problema de polícia”, fala o presidente do Conselho Regional de Medicina.
“A gente está procurando justamente o que o estado pode fazer, junto com o Ministério Público, a partir do momento que detectado essas anomalias, a gente tomar as devidas providências. Ou seja, junto com o Ministério Público a gente consiga contornar ou minimizar esses problemas”, fala o secretário estadual de Saúde do Piauí, Telmo Gomes Mesquita.
As pensões cobram R$ 15 a diária com todas as refeições, porque o dinheiro vem das comissões pagas pelos médicos e pelas clínicas.
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